quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Elogio da Sinceridade...



"É a incómoda proximidade de nós a nós mesmos que nos pode cegar para a compreensão das virtudes, em particular a virtude da sinceridade.
Montesquieu confessa-o no início do "Elogio da Sinceridade", enaltecendo aqueles que se tornam sábios por destruírem uma ilusão temível: a convicção de que o homem tem acesso à verdade. No entanto, a autèntica filosofia só pode exercitar-se na sinceridade, virtude suprema que nos desobriga de inúmeras escravaturas, nomeadamente a de não se saber viver senão disfarçando
os sentimentos. Só o infatigável regresso a si mesmo pode fazer sobressair a sinceridade, rejeitando a vergonha que se entranha nos indivíduos ao adulterarem a falsidade porque lhes falta a coragem e a liberdade para serem verdadeiros.
É assim que podemos falar de sinceridade a propósito da vida privada ou da vida pública no intuito de saber até que ponto somos sinceros conosco ou se podemos sê-lo nas relações intersubjectivas. Se partirmos do pressuposto que se trata da mesma noção, não havendo alteração significativa naquilo que entendemos em ambos os casos, é francamente desejável prestar atenção àquilo que cada um
é e à forma como nos relacionamos com os outros. Dessa atenção surgirá a convicção de que somos ou não sinceros. Todavia, ainda mais do que a convicção, é preciso estar disponível para pensar e sentir a suposta verdade que pode existir em cada um de nós. é neste sentido que a sinceridade pode desencadear uma série de suspeitas, algo que se relaciona com o auto-engano, com a hipocrisia interior, o ressentimento, os mecanismos de defesa do eu, enfim, com todos esses
dispositivos que nos incitam a esconder a verdade de nós mesmos.
É por isso que a sinceridade exige um exercício incansável, algo que deve
levar indivíduo a reconhecer que não basta ser sincero e esforçar-se
por detectar o engano e o auto-engano.
Podemos considerar que a sinceridade exige um respeito pela verdade,
base de todas as virtudes."


in "Elogio da Sinceridade" Montesquieu, Ed. Fenda

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